Quicabo - Angola

Quicabo - Angola
Foto de Vasco D'Orey, montagem de Garcia Ferreira

Encontro em Castro Daire

FOTO DE FAMILIA

FOTO DE FAMILIA

SETE CURVAS - 14MAR1973

O texto que se segue é da autoria do Companheiro Aniceto Pires, condutor auto-rodas, e recorda um dos dias mais negativos da nossa campanha em Angola, que o diga o Companheiro Lobo da Silva que ainda hoje traz dentro de si o estigma deste dia.

Garcia Ferreira
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Hoje vou esperar que chegue a meia-noite e esperar por mais um dia que me traga a memória…

Vou esperar, olhando as horas tranquilamente, que acabe de percorrer mais um ciclo do tempo solar.

Antes de entrar…
Mergulhei-me através da memória que o tempo faz questão de me fazer debruçar no parapeito da saudade, e dele acenda, para iluminar os que para trás ficaram, trazendo-os de volta para nos reunir, só possível na nossa imaginação.
Ainda é dia treze, silenciosamente vai chegar o dia catorze, uma data que ainda perpetua na minha memória.
Estávamos em pleno mês de Março, já lá vão uns tantos anos, o dia treze também tido como dia da “sorte” ou mesmo dia do “azar” não quis nada connosco.
Os dias são todos recheados, de sorte e de azar, de surpresas ou imprevistos bons e maus, quando alguém está protegido pela sorte, outros certamente estarão protegidos pelo azar, ou desprotegidos pela sorte.

Entrei…
Catorze de Março de 1973, era o meu último dia operacional em teatro com cenário de guerra. Para quem o duvidava, aconteceu. A maior parte de nós iria fazer ainda os vinte e três anos de idade. Ainda éramos crianças.
Ao inicio da manhã daquele dia, juntamente com um grupo de combate, partimos de Quicabo para mais uma missão igual a tantas outras. É certo, sabíamos que saímos sem nunca ter a garantia da chegada, uma espécie de passaporte em branco.
A missão foi mais uma escolta de equipamentos e pessoas, para mais um dia trabalho, pertencente à JAEA (junta autónoma de estradas de Angola) até Balacende, percurso que nos levava a passar pelas famosas sete curvas.
Ao fazermos a inversão de marcha para regressar a Quicabo, recebemos ordem para fazermos uma escolta (não estava nos planos) à Beira Baixa, uma fazenda que ficava entre Balacende e Nambuangongo.
Lembro de termos contestado esta alteração de rumo, pois queríamos regressar o mais rápido possível, já estávamos cansados dos camuflados e de tanto sacrifício. Quando chegamos ao acampamento improvisado da JAEA, na Beira Baixa, logo tivemos a informação através do “transmissões”, que havia acontecido uma emboscada e já tínhamos baixas.
Precisamente nas sete curvas.
Estávamos a meio da manhã quando voltamos a Balacende e aqui podemos já sentir a mistura da revolta e consternação, para alguns (incluindo eu), era a nossa última missão.
Maldita as sete curvas, onde tanta gente jovem ali ficou.
Lá saímos de Balacende, meios silenciados, para voltar a passar na fatídica sete curvas, onde foram abatidos quatro elementos nossos e o Damas capturado, e logo no último dia de missão em cenário de guerra.
Ainda lembro os companheiros que estavam no Destacamento de Quicabo, viviam momentos de angústia, por não saberem quem teria “ficado”, apenas tinha havido conhecimento que havia baixas, mas não sabiam quem eram.
Quando cheguei… ouvi, “ o Pires não foi”.
Fazia-me lembrar quando se fazia a chamada e quem não respondesse já estaria morto.
Foi chocante ver aquelas viaturas com rombos provocados pelos rocketes e mais ainda ao dar pela falta do nosso COMPANHEIRO DAMAS.
Poderia ter sido eu!
O dia treze não tem nada a ver com o dia catorze, assim como os que são protegidos pela sorte inevitavelmente um dia serão protegidos pelo azar, se é que existe um e o outro.
Forçosamente terão que existir ambos, por serem da mesma família.
Eu, o Aniceto du Pires

A 14 de Março de 2010

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