Quicabo - Angola

Quicabo - Angola
Foto de Vasco D'Orey, montagem de Garcia Ferreira

Encontro em Castro Daire

FOTO DE FAMILIA

FOTO DE FAMILIA

NAS LAVRAS DO QUIJOÃO

Naquele dia o despertar foi mais cedo, cerca das 4 horas da manhã. O cozinheiro preparara o pequeno-almoço para o 3º e 4º pelotão da Caç. 3340, à base de café com leite, pão e manteiga. Depois desta pequena refeição, as dos dois dias seguinte seriam rações-de-combate.
 
A refeição ligeira foi tomada em silêncio,  conjuntamente com todos os graduados, apenas se ouvindo o som característico do gerador a gasóleo que fornecia a electricidade a todo o aquartelamento,
 àquela hora ainda adormecido.

Ainda dentro do quartel, à beira do depósito da água, subimos para as viaturas que nos aguardavam, uma berliet e vários unimogs, tendo como destino mais uma "operação", desta vez para os lados do QUIJOÃO, uma zona de guerra considerada relativamente pacífica.   
 
Situava-se o nosso objectivo a algumas boas dezenas de quilómetros de Quicabo, já em plena floresta-galeria dos Dembos, por onde circulava, em sucessivos meandros, o rio Dange até chegar às Mabubas, local onde fora construída uma barragem eléctrica, indo depois desaguar no Atlântico, por alturas do Cacuaco.

Entretanto já abandonáramos as viaturas, que haviam regressado ao quartel, passando a calcorrear a picada, com todas as cautelas, rumo ao previsto objectivo, por entre capim alto e ainda viçoso, entremeado de árvores rasteiras e esparsas, até chegarmos à zona em que a savana deu lugar á floresta tropical.

Entrados na mata densa, em "bicha de pirilau" que se estendia por várias centenas de metros, logo perdemos o trilho por onde seguíamos, obrigando o homem, que seguia na frente, a abrir caminho á catanada, de forma a abrir passagem por entre o emaranhado de lianas e pequenas plantas que cresciam, a custo, debaixo daquele extenso e quase impenetrável dossel, formado pelas copas das árvores que almejavam alcançar a luz do sol.

Subíamos a custo uma ravina quando, de repente, toda a extensa coluna, qual baralho de cartas em dominó, se agachou apressadamente, começando pelo princípio até chegar até ao último homem da coluna. Sucedera que o guia,  um ex-guerrilheiro, que encimava a coluna, munido de uma pequena verdasca,  detectara um invisível "fio de tropeçar", atado a um pequeno arbusto, que continuava, perpendicularmente ao trilho, para o interior da mata.
 
Na altura ia integrado na coluna um alferes, que julgo chamar-se Fernandes, que estava a tirar o curso para capitão  (um curso acelerado para obtenção de comandantes de companhia), que se dispôs de imediato a apurar onde é que o fio-de-tropeçar ia dar,  se a uma mina anti-pessoal ou a uma armadilha para animais.
 
Cauteloso como se impunha, o dito alferes seguiu vários metros o fio até que, inopinadamente, se depara com um guerrilheiro encostado a uma árvore, ainda dormitando sossegadamente.  Tão inesperado encontro causou entre ambos um corrupio de calafrios, sendo o guerrilheiro de imediato dominado, com a advertência de que não poderia fazer qualquer barulho ou tentasse fugir, caso em que seria de imediato abatido.
 
O guerrilheiro, um jovem rondando os 18 anos,  desarmado, estava de vigia num posto avançado, sintoma de que o acampamento que procurávamos já não estaria longe, e, sobre a árvore frondosa em que se encostara e dormia, pendia um enorme latão que seria percutido, por meio de um engenhoso sistema de alavancas, logo que alguém tropeçasse no fio que atravessava o pequeno trilho.

Prosseguida a marcha, agora mais acelerada de forma a alcançarmos rapidamente o objectivo, cientes de que conseguíramos não ser detectados e que o "novo" guia, depois de uma rápida "lavagem ao cérebro", nos conduziria lá sem qualquer percalço,  alcançámos, em cerca de duas horas,  uma clareira na floresta, o nosso suposto objectivo.
 
Diante de nós, ainda acobertados pela mata,  estendia-se uma vasta clareira, que descia em declive até a um pequeno riacho, para logo continuar a subir na outra margem até à outra orla da floresta. Esta clareira, assemelhando-se a uma pequena ilha na imensidão do denso arvoredo, teria cerca de 500 metros de comprido, ao longo do regato, e cerca de 400 metros de largura, divididos entre as duas margens.
 
Na margem oposta do ribeiro trabalhavam umas mulheres nas lavras e, de quando em quando, viam-se dois ou três guerrilheiros armados que, aparentemente, vinham despreocupadamente buscar água ao ribeiro para logo retrocederem e se sumirem na orla da mata.

Foi então que foi decidido montar um golpe de mão aos guerrilheiros, para o que se formaram duas secções, uma de cada pelotão, que, ocultadas pela mata,  contornariam a clareira para aparecerem,  de surpresa, por detrás dos guerrilheiros e os apanharem à mão ou, caso estes tentassem fugir, fossem encaminhados para a boca do lobo ou seja que se introduzissem na mata onde se encontrava emboscada a restante tropa.

Na execução desta estratégia,  iniciou-se o previsto envolvimento contornando a orla da mata, após o que aparecemos de surpresa por detrás dos guerrilheiros, abrindo de imediato fogo para intimidação. Estes então correram na direcção do ribeiro e iniciaram a subida para a orla da mata, onde eram aguardados pela nossa tropa.
   
Após o enorme fogaçal que se seguiu, donde teriam necessariamente resultado algumas baixas ao IN, iniciámos então,  e a corpo aberto, a travessia da clareira em direcção às nossas tropas, cientes de que teria havido alguns capturados e mortos, embora se estranhasse aquele fogo nutrido, nomeadamente por o mesmo pôr em risco a vida dos camaradas que se encontravam no meio das lavras.

Qual não foi o nosso espanto ao sabermos que a tropa emboscada não dera um único tiro, pois todo aquele tiroteio provinha afinal de um numeroso grupo de guerrilheiros, o qual se havia também emboscado, mesmo ao lado da nossa tropa, com a intenção de capturar ou matar os militares agressores.

Em face deste inusitado desfecho bélico, de que felizmente não resultaram quaisquer baixas ou feridos, ficou-se sem saber se tal fora mera obra do acaso ou da sorte, ou se a presença da nossa tropa só foi denunciada após o inicio do tiroteio,  dando assim origem a que o IN se retirasse apressadamente.

O certo é que a presença da nossa tropa fora detectada na zona, assim se gorando o efeito surpresa, inviabilizando um maior sucesso operacional.

Lourenço, ex-furriel da 3340

1 comentários:

Victor Cordeiro disse...

Foi no Quijoão que o meu pelotão teve o batismo de fogo, isto foi em meados de Maio/66, visto que fomos render os velhinhos a Quicabo em Maio/66. O meu Bat.Cav. 1883, que deixou um monumento junto à messe dos oficiais, a minha C.CAV. 1537 não fomos muito infelizes durante o periodo que estivemos em Quicabo (Maio/66 a Junho/67), aquelas sete curvas que eram de picada visto que vocês já apanharam a dita picada em alcatrão, porque os maçaricos que nos renderam em Junho/67, foi com eles que a picada começou a ser alcatroada, as verdadeiras sete curvas foram desfeitas derivado às obras da nova estrada. O Monumento onde está o nome de Szabo era de esperar e os outros também que eles (IN) os tratassem mal. O Site do meu Batalhão é: No motor de busca BAT. CAV. 1883. Onde tivemos mais camaradas mortos foi já na 2ª fase no Leste (Luso/Teixeira de Sousa). A minha Comp. a um mês de terminar-mos a comissão morreu um alferes , furriel, soldado no Lago Dilolo